Tinha 13 anos, quando ouviu falar do Carmelo. Motivada pela leitura da Autobiografia de Santa Teresinha, quis visitar um… E lá foi, levada pela mãe, a pessoa que mais a ajudou na escolha vocacional – ser Carmelita! A Irmã Maria Teresa vive, actualmente, no Carmelo da Imaculada Conceição, situado perto do Bom Jesus, em Braga. «Para um(a) jovem escutar o chamamento de Deus e perceber, no meio deste turbilhão de atractivos e ofertas que a sociedade de consumo lhe apresenta, e ser capaz de responder generosamente a esse apelo divino, é muito complicado… mas não é impossível!», diz a religiosa nesta entrevista ao Diário do Minho (em 2008 e 2016), a propósito da Semana de oração pelas vocações.

DM – Como compreendeu que Deus a chamou a esta vocação? Quais foram os lugares e pessoas que a ajudaram a fazer esta escolha vocacional?

MT –Não posso esquecer de modo nenhum, como pessoa que mais me ajudou, a minha mãe. A este respeito, sempre mantive com ela uma relação de abertura e diálogo, até porque, quando ouvi falar do Carmelo (na autobiografia de Sta. Teresinha – «História de uma alma»), eu só tinha 13 anos! Foi a minha mãe que me levou pela primeira vez ao Carmelo do Porto, donde sou natural, a pedido meu e, desde logo, fiquei fascinada por aquele estilo de vida. No entanto, sonhava casar-me, ser mãe… Namorei, mas cedo percebi que o meu coração era feito para amar de forma mais ampla, alargada, sem me prender a ninguém concreto… Então, sobretudo com a ajuda da direcção espiritual, a partir dos meus 17 anos, fui tentando perceber o que Deus queria da minha vida. Eu sentia uma grande atracção para a oração, para a solidão… mesmo estudando, trabalhando, convivendo com os meus amigos e família, eu procurava ter os meus tempos e espaços onde pudesse criar esse ambiente de recolhimento para “escutar” a voz de Deus. Contudo, para seguir esta vocação, precisava de criar um afastamento efectivo e afectivo do meu ambiente natural. O Carmelo do Porto ficava relativamente perto da minha casa; os meus pais, irmãos e amigos estavam ali “à mão de semear”, como se diz… decidi, por isso, vir conhecer o Carmelo de Braga.

Também o facto de ter conhecido outras Congregações religiosas de vida activa, portanto com outra finalidade, outra base espiritual e outra forma de estar, ajudaram a formar em mim a hipótese de vir a optar pela vida contemplativa no Carmelo. Estas ajudas foram preciosas, mas o principal “obreiro“ de tudo isto foi o Espírito Santo que colocou no meu coração o desejo da solidão, da oração, do louvor, do sacrifício, do trabalho humilde e da fraternidade. Da minha parte, eu fui procurando estar atenta aos sinais divinos, que muitas vezes passavam pela mediação humana, e manter-me em atitude de escuta, procura e obediência. Até que um dia chegou a decisão final. Foi uma escolha livre, absolutamente livre, sem me ter sentido influenciada por ninguém; apenas obedeci ao apelo divino como o  jovem Samuel: «Eis-me aqui, Senhor, pois me chamastes», e como a Virgem Maria: «Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra». E fez-se!…

 

DM – Se fosse hoje optaria pelo mesmo estilo de vida?

MT – Oh sim, sem dúvida! Sou muito feliz na minha vocação! Posso dizer que nunca tive um único momento de arrependimento! Saudades, sim, muitas… dos meus pais, irmãos e amigos, no princípio. Lembro-me que, no dia em que fiz um ano de carmelita, – era tão jovenzinha! – estava eu na oração da tarde, com a comunidade, ajoelhada no banco do Coro (local da oração comunitária) e as lágrimas caíam-me abundantes (mas silenciosas) pelas faces e molhavam o banco… eram lágrimas de saudades, mas vinham misturadas com felicidade e gratidão a Deus por ter passado já um ano – sentia-me valente! Não é fácil viver uma vida de clausura, deixar tantas coisas boas, tantos sonhos… inclusive deixei o meu curso universitário de que gostava tanto! Mas, como digo, nunca me arrependi!… Nunca me arrependi e, mais ainda, digo que ainda não vivo toda a riqueza e beleza da minha vocação! Apesar de viver num espaço físico limitado, dentro do meu Mosteiro, pela oração venço todos os obstáculos e barreiras materiais e chego onde sou impulsionada a “ir”: conheço muitas das dores humanas (são muitas as pessoas que pedem e confiam nas nossas orações), acompanho os acontecimentos mundiais, enfim… não me sinto fora deste mundo que é o meu, mas amo-o e desejo que conheça a paz, o progresso e, sobretudo nesta velha Europa, que Deus não seja mais “Aquele de quem se desvia o rosto”…

DM – Que desafios pode a actualidade colocar ao seguimento da sua vocação?

MT – Eu colocaria esta questão no sentido inverso: de que forma a vida consagrada e/ou religiosa desafia o mundo actual?

Pela minha própria vivência, eu aponto vários sinais desafiadores: em primeiro, o primado de Deus! Nós vivemos num mundo que O rejeita e silencia… fala-se até da “morte de Deus”! Mas eu experimento que, em toda a minha história vocacional, Ele é o protagonista! Foi Ele que tomou a iniciativa e, sem o Seu “toque”, eu não teria avançado um passo sequer! É Ele que me impulsiona a aderir ao Seu projecto de santidade!

Outro grande valor que a vida religiosa oferece é a vida comunitária. É tão belo viver na comunhão de bens materiais e espirituais, no amor fraterno, na gratidão a Deus por cada Irmã que Deus pôs ao meu lado para juntas crescermos para Ele, vencendo as diferenças culturais, de mentalidade, de educação, de diferença de idade… numa relação fraterna que se vai aprofundando sob o olhar amoroso de Deus que nos juntou.

Outro sinal desafiador são os conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência que professamos, numa total oferenda da nossa vida, de todo o nosso ser físico, humano e espiritual. Hoje em dia é tão difícil assumir compromissos duradouros e estáveis… pensa-se que a liberdade é fazer aquilo que apetece… Mas eu experimento que tudo isto abraçado consciente e livremente, não nos esmaga nem aprisiona; pelo contrário, alarga o nosso interior, dá-nos uma enorme capacidade de amar, liberta-nos do  apego exagerado aos bens materiais e equilibra o desejo de dominar, de ter poder…

Quero apontar ainda mais dois sinais desafiadores que fazem parte do meu dia-a-dia, como monja carmelita de vida contemplativa, que são o silêncio e a solidão. O mundo vive cheio de distrações, de imagens, de solicitações sem fim… mas a carmelita escolhe a solidão e o silêncio para cultivar a oração contínua, a relação íntima e profunda com Jesus, mesmo nos afazeres mais banais do quotidiano!

DM – Qual o lugar da vocação contemplativa no “concerto” das vocações na Igreja? 

MT – Se pensarmos que os vários carismas que o Espírito Santo suscita na Igreja resultam num “concerto” maravilhoso, cheio de sons e timbres diversos, intuímos que, nesta harmonia divina, também são importantes os silêncios… Os silêncios ou pausas, também são música – é a «música calada» de que fala São João da Cruz – realçam e embelezam os sons que a seguir se produzem. Assim acontece com a vida contemplativa que cultiva a vida silenciosa através da oração e solidão. Uma outra imagem, muito bela, que pode ilustrar o lugar que a vida contemplativa ocupa nesta diversidade de carismas na Igreja, é a da árvore com muitos ramos, flores e frutos, sustentada pela raiz que se encontra debaixo da terra e mantém viva e verdejante toda a árvore. Podemos pensar ainda na bela intuição que teve Santa Teresinha que, aliás, foi também a minha, ao descobrir que nesta orgânica tão complexa, semelhante a um corpo humano, nenhum órgão funciona por si mesmo, todos dependem uns dos outros e se entreajudam, recebendo estímulos que os fazem agir, mas a “seiva” que circula em todo o corpo humano, e sem a qual nada funciona, encontra-se no coração. Deste pequeno órgão é que surge toda a actividade humana. E, no entanto, é um órgão interno, “invisível”, mas importantíssimo!…

DM – De que forma reconhece que a vida contemplativa está ao serviço da Igreja?

MT – A meu ver, esta pergunta completa a anterior. O serviço que a vida contemplativa presta à Igreja é importantíssimo – sem menosprezo de todos os outros –, porque daqui vem o “combustível” para alimentar e revigorar os membros deste imenso corpo, porventura cansados e abatidos, restituindo-lhes a vitalidade e a frescura de que precisam para edificar o Reino de Deus no mundo. Sabemos que a Igreja confia e espera muito das nossas orações e isso responsabiliza-nos e faz-nos viver de uma forma empenhada e comprometida com os nossos irmãos que lutam no campo de batalha que é o mundo. Um dia, Jesus, dirigindo-Se aos apóstolos, exclamou: «Vós sois o sal da terra e a luz do mundo. Se o sal perder o sabor, com que se há-de salgar?» (Mt 5, 13-14). E Santa Teresinha, referindo-se a este versículo do Evangelho, afirma: «Como é bela a vocação que tem por finalidade conservar o sal destinado às almas! Esta é a vocação do Carmelo» (Ms. A, 56r). Por isso, rezamos especialmente por todos os evangelizadores: missionários, sacerdotes, todos os que se dedicam à educação, ao serviço social e caritativo, etc. Todos esses são as nossas mãos e os nossos pés. E nós somos para eles o coração!

 

DM – Na nossa realidade, quais as dificuldades que um jovem pode encontrar para escutar o chamamento de Deus? Que propostas a Igreja pode fazer para que cada pessoa compreenda a sua vocação?

MT – A nossa realidade social, cultural e religiosa é muito complexa! Os valores cristãos e morais jazem por terra, a indiferença religiosa e cultural imperam. Por isso, para um(a) jovem escutar o chamamento de Deus e perceber, no meio deste turbilhão de atractivos e ofertas que a sociedade de consumo lhe apresenta, e ser capaz de responder generosamente a esse apelo divino, é muito complicado… mas não é impossível! Aqui, a Igreja como Mãe que é, deve estar atenta aos sinais dos tempos, a estas rápidas e constantes mutações a todos os níveis da sociedade humana e abrir caminhos de esperança para um mundo desiludido e sem rumo, acolhendo todos os seus filhos, com as suas dilacerações e anseios. Quando falo de Igreja, não me refiro só e exclusivamente aos bispos e sacerdotes, mas a todos os cristãos baptizados, a todos aqueles que são chamados filhos de Deus, que devem viver no mundo como sinal de contradição e, pelo seu testemunho de vida, levar os irmãos à salvação. No que se refere aos bispos e sacerdotes, pastores do Povo de Deus, penso que é importante darem a conhecer as diversas missões e carismas existentes na Igreja, através de catequeses, preparando agentes que trabalhem na pastoral vocacional, etc., porque na Casa de Deus há lugar para todos os Seus filhos, e todos têm o direito de ocupar o seu… no Coração de Deus.

 

DM – Que conselhos daria a alguém que queira seguir essa vocação?

MT – Bem… que não tenha medo de arriscar! Que se confie totalmente a Deus! Que ore, que procure ajuda para discernir. Já se vê que uma opção destas exige muita fé, muita confiança… não há certezas de nada… assim como não há para o casamento. Também diria que não tenha medo de perder a alegria! Isto não é tão mau como parece, o que é, é mal conhecido! Aqui há muita alegria, muita felicidade! Somos felizes porque estamos onde Deus nos quer! Sim, é muito importante que cada um descubra o seu caminho de felicidade!

 DM – Toda a vocação é promessa de vida feliz! Para si, onde está a felicidade?

 MT– «Para mim a felicidade é estar junto de Deus, buscar no Senhor o meu refúgio» (Salmo 72) e «habitar na casa do Senhor para todo o sempre» (Salmo 22). Mas, como uma carmelita não vive para si mesma, mas para que outros tenham vida em abundância, a minha maior felicidade consiste em que todos os meus irmãos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade e todos juntos glorifiquemos para sempre a Santíssima Trindade. «Que todos sejam um» (Jo. 17, 21)!

 

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