Ao cair da tarde, quando a cidade ainda corre apressada, há um silêncio que se levanta nas encostas da montanha. O vento fresco sopra, o sol mergulha no horizonte, e a alma, cansada de tanto ruído, descobre que precisa de parar. Lá em cima não há espetáculo nem distração, mas um fogo escondido, como brasas que resistem na penumbra. É então que percebemos: a montanha não está apenas diante de nós, está dentro de nós. Cada jovem que carrega perguntas, sonhos e feridas traz também um desejo de altura, um anseio de sentido que não se extingue. E se a subida que falta não fosse fora, mas dentro de ti?
O coração humano nasce com sede. Uma sede que nenhuma distração consegue matar. Às vezes enchemo-nos de fumo — imagens, sons, comparações — mas nada disso aquece. Noutras vezes, quase sem palavras, sentimos que há em nós um “mais” que pede espaço. Jesus disse-o de forma clara: “Vim trazer fogo à terra; e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). Esse fogo continua a arder hoje, e não é um fogo que destrói, mas que ilumina; não é um fogo que consome, mas que cria espaço para amar.
O Carmelo nasce dessa experiência. Na Bíblia, o monte Carmelo foi palco de um desafio decisivo: Elias convida o povo a escolher entre ídolos vazios ou o Deus vivo. O fogo que desceu do céu não foi espetáculo, mas sinal da presença de Deus que aquece e transforma. Pouco depois, o mesmo Elias encontrou o Senhor não no terramoto nem no vento impetuoso, mas na brisa suave que fala ao coração (1 Re 19,11-12). O Carmelo é esta escola dupla: fogo que decide e brisa que consola. Ardor que purifica e silêncio que sustenta. E, como um sussurro escondido, surge ainda uma pequena nuvem no horizonte, prenúncio de chuva depois da seca (1 Re 18,44). Discreta, quase invisível, mas cheia de promessa.
Séculos mais tarde, Teresa de Jesus retomou essa montanha. Mulher ousada, realista e bem-humorada, deixou-nos uma definição de oração que nunca perde frescura: “tratar de amizade, estando muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama” (Caminho 8,5). Oração não é fuga do mundo, nem repetir palavras sem vida. É amizade. Como qualquer amizade, pede tempo, verdade e fidelidade. Teresa experimentou distrações, resistências e aridez interior, mas nunca desistiu de se sentar diante de Cristo como diante de um amigo. A perseverança dela tornou-se caminho para todos nós.
Outro companheiro da montanha, João da Cruz, falou do mesmo desejo com uma clareza que ainda hoje surpreende: “Porque, para chegar de todo ao tudo, hás de negar-te de todo em tudo”. Parece radical, mas é libertador: só quem larga o supérfluo descobre o essencial. Menos ruído, mais espaço. Menos apego, mais liberdade. João sabia que o fogo de Deus não destrói, mas amadurece. Purificar não é apagar a cor da vida, é afiná-la para que soe com mais beleza.
E como começar a subir esta montanha? Não com grandes gestos, mas com passos pequenos e fiéis. Reserva cinco minutos por dia. Primeiro, o silêncio: senta-te, respira fundo e pede: “Vem, Espírito Santo”. Depois, a Palavra: lê devagar, por exemplo, o Salmo 63(62) — “A minha alma tem sede de Vós” — e deixa que a frase que mais te toque fique a ecoar dentro de ti. Finalmente, responde: diz a Jesus, em poucas palavras, onde precisas de fogo e onde precisas de brisa. No dia seguinte, volta ao mesmo lugar, à mesma hora. O segredo não está no tamanho do passo, mas na constância.
E lembra-te: ninguém sobe sozinho. O Carmelo é sempre comunitário. Teresa teve irmãs que a acompanharam; João teve amigos que o sustentaram. Também tu podes procurar um grupo de oração, uma comunidade, um amigo de fé com quem partilhar o que vais descobrindo. A Igreja é este trilho comum onde uns ajudam os outros a não desistir.
É normal que surjam obstáculos. A pressa dir-te-á que não tens tempo; a resposta é simples: marca o momento, mesmo que curto. A secura vai fazer-te sentir que não acontece nada; lembra-te de que Deus trabalha no escondido. A autoexigência vai querer medir resultados; lembra-te de Teresa: começa como és, não como idealizas ser. A comparação vai tentar roubar-te a paz; lembra-te de João: cada alma tem o seu compasso.
O mais importante não é chegar rápido ao cimo, mas deixar que Deus acenda em ti uma chama. O fogo e a brisa, a decisão e a ternura, são dons do mesmo Senhor. Ele espera por ti na encosta da tua vida.
Por isso, o convite é claro: experimenta estes próximos quinze dias como um pequeno caminho. Marca em cada dia um momento, por mais breve que seja, para subir por dentro. Leva contigo a coragem de Elias, a amizade de Teresa, a liberdade de João. E deixa-te surpreender pelo Deus que se encontra não no barulho, mas no silêncio; não no espetáculo, mas na amizade.
À montanha não se sobe sozinho. Cada passo aceso pelo fogo de Deus pede ombro e companhia. Teresa e João aprenderam cedo que a fé não é uma aventura isolada, mas uma amizade que se multiplica. Também nós precisamos de mãos e corações que nos acompanhem. O fogo que começa no íntimo do coração torna-se chama partilhada quando se encontra com outros. Por isso, a subida que iniciámos hoje continuará na descoberta de que a vida espiritual é sempre comunhão, nunca solidão. No próximo encontro desta série, iremos explorar esta dimensão de caminhar juntos, para perceber como a fé se torna família e a oração se torna comunhão.
Oração
Senhor, Tu és fogo que purifica e brisa que consola. Acende em nós o desejo de subir até Ti. Que a amizade de Teresa e a liberdade de João nos inspirem. E que Maria, nuvem pequena que anuncia chuva no deserto, caminhe connosco e nos ensine a esperar. Ámen.