Dia 9 da Novena de Nossa Senhora do Carmo

Leituras: Êxodo 2,1–15a · Salmo 68(69) · Mateus 11,20–24

  1. Quando Deus fala em silêncio

Há silêncios que ferem. Outros, que salvam. Silêncios de abandono, de quem não responde, de quem se ausenta. Mas também há silêncios que acolhem, que pacificam, que preparam a escuta. O mundo de hoje vive mergulhado em palavras — muitas, rápidas, frágeis. E quanto mais se diz, mais difícil se torna escutar. Na superfície do ruído, o coração dispersa-se. E, quase sem nos darmos conta, deixamos de saber o que Deus nos diz. Ou se ainda nos diz alguma coisa.

Mas Ele continua a falar. Só que não se impõe. A voz de Deus tem a delicadeza de quem espera. O seu tom não é o de quem grita, mas o de quem murmura. E, para escutá-lo, é preciso descer ao lugar do silêncio. Não o vazio, mas o silêncio habitado. O silêncio onde a Palavra se torna semente.

É nesse lugar que nos coloca a liturgia do nono dia da novena. Com Maria, regressamos às margens da vida oculta, onde os sinais são pequenos e as esperas longas. A primeira leitura conta-nos o nascimento de Moisés. Um menino escondido. Um cesto de papiro. Uma mãe que o entrega ao rio. E Deus que o salva — não com trovões, mas com ternura. No Evangelho, Jesus lamenta a dureza do coração: cidades que viram sinais e não mudaram. Gente que escutou e não se deixou transformar. E tudo isto se entrelaça num convite urgente: escuta. Converte-te. Recolhe-te. Deixa que o silêncio volte a ser lugar de revelação.

É aí que Maria nos espera. Não para falar muito. Mas para nos ensinar a escutar outra vez. A desejar outra vez. A confiar, mesmo quando tudo parece mudo.

  1. Moisés no cesto e Maria no escondido

O nascimento de Moisés é uma das cenas mais discretas e tocantes de toda a Escritura. Uma mãe esconde o filho recém-nascido, porque a vida dele está ameaçada. Não tem como protegê-lo para sempre, mas recusa-se a entregá-lo à morte. Então constrói um cesto de papiro, sela-o com betume, e deposita-o nas águas do Nilo. Um gesto de despedida. Mas também de fé. De confiança. De abandono.

A salvação começa ali. No silêncio. Na vulnerabilidade. No amor que entrega sem garantias. Moisés flutua no rio, sem rumo, mas guardado por um Deus que vê. Que escuta. Que intervém. A filha do Faraó acolhe o menino, tocada pela compaixão. E essa vida frágil, lançada nas águas, será instrumento da libertação de um povo inteiro.

Este episódio é figura de tantos outros nas Escrituras. Mas é também figura da vida de Maria. E, por extensão, da nossa vida espiritual. Maria não coloca o Filho num cesto — acolhe-o no seio. Mas fá-lo com o mesmo gesto de confiança. Sem saber tudo. Sem ver tudo. Sem controlar nada. Diz apenas: «Faça-se em mim segundo a tua palavra». E, com esse sim, coloca-se nas mãos de Deus, como a mãe de Moisés colocou o menino nas águas.

Maria vive no escondido. Não protagoniza os grandes discursos. Não toma o centro da cena. Mas no silêncio da sua vida, o Verbo faz-se carne. O Salvador entra no mundo. E tudo começa de novo.

Como a mãe que confia o filho às águas do Nilo, também Maria entrega a sua vida a um mistério maior do que ela. Confia no tempo de Deus. E é esse gesto silencioso, discreto, quase invisível, que muda tudo.

É assim que Deus age. No escondido. No silêncio. No desejo que não se impõe. No gesto pequeno que tem peso eterno. E é assim que Maria nos ensina a viver: com confiança diante do mistério. Com entrega sem garantias. Com silêncio habitado.

  1. Cidades que não se deixam tocar: a dureza do coração

No Evangelho de hoje, Jesus ergue a voz com uma tonalidade rara nos Evangelhos: uma voz ferida, quase dolorida, que censura a indiferença. «Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida!» Não é raiva, nem condenação fria — é o lamento de quem ama e não é correspondido. De quem cura, e não é acolhido. De quem oferece sinais, e encontra resistência.

Estas cidades viram milagres. Ouviram palavras. Foram tocadas pela presença do Filho de Deus. Mas nada se moveu nelas. Nada mudou. E por isso Jesus chora por elas. Não porque mereçam castigo, mas porque recusaram a graça.

Este Evangelho é desconcertante. Porque não fala de perseguição, nem de pecado escandaloso. Fala de indiferença. De resistência silenciosa. De quem se habituou à luz — e já não a vê. De quem escuta a Palavra — mas não a deixa descer ao coração. E aqui, talvez, nos aproximamos de uma das maiores tentações da vida espiritual: a rotina sem conversão. A fé domesticada. O coração endurecido.

Maria é o contraponto radical deste Evangelho. Ela não viu milagres antes de acreditar. Não ouviu pregações imponentes. Não pediu garantias. Mas escutou e acreditou. Recebeu a Palavra e deixou-se transformar por ela. Maria é o coração disponível. A terra boa. A alma que se deixa tocar.

O Carmelo, como escola de silêncio e de escuta, aprende com Maria esta arte do coração tocável. Da fé que se deixa surpreender. Da alma que não se fecha sobre si mesma. E, por isso, a espiritualidade carmelita não se mede por fervores, mas por disponibilidade. Não por êxtases, mas por entrega. Não por emoções, mas por confiança silenciosa.

Hoje, ao escutarmos estas palavras duras de Jesus, podemos fazer delas um espelho. O nosso coração tem sido terra fértil ou planície ressequida? A Palavra tem espaço em nós? Ou escutamos tudo… mas deixamos tudo igual?

  1. Maria, Senhora do silêncio e chama do desejo

Maria não fala muito nos Evangelhos. Mas cada gesto seu, cada silêncio seu, cada presença sua, diz mais do que muitos discursos. Quando a contemplamos como “Senhora do silêncio”, não imaginamos um vazio, mas uma plenitude interior. O seu silêncio não é retraimento, mas escuta. Não é ausência, mas presença inteira. É no silêncio que Maria acolhe a Palavra. É no silêncio que consente. É no silêncio que espera. E é nesse silêncio que o Verbo se faz carne.

A tradição espiritual sempre viu neste silêncio um espaço de fecundidade. Como um claustro onde a Palavra encontra repouso. Como um altar interior onde o Espírito Santo pode agir livremente. O silêncio de Maria não é desinteresse, nem medo, nem passividade. É desejo. Um desejo profundo de Deus. Uma abertura radical ao mistério. Uma sede que se deixa saciar sem pressa.

Santa Teresinha dizia que “desejar tudo é já possuir tudo”. E Maria, no seu desejo escondido, já possuía Aquele que viria habitar nela. O seu silêncio era uma oração contínua. O seu recolhimento era fogo interior. Não se via, mas ardia. Por isso lhe chamamos também “chama do desejo”. Porque o seu amor a Deus não era disperso nem apagado. Era puro. Era inteiro. Era abrasador.

O Carmelo reconhece-se neste modo de amar: silencioso, ardente, perseverante. O carmelita não busca Deus por conveniência, nem por hábito, nem por obrigação. Busca-O porque deseja. Porque o coração já ardeu no contacto com a Palavra. Porque há uma sede que não se apaga com palavras ou rituais, só com a Presença. E é esse desejo que sustenta a oração nos dias em que ela parece árida. É esse fogo interior que dá sentido ao silêncio do claustro. É esse anseio escondido que faz florescer a fecundidade mais profunda.

Maria, silenciosa e desejante, ensina-nos a amar sem ver. A esperar sem ruído. A confiar sem exigir. E, no fundo, a orar sem cessar. Porque onde há silêncio e desejo, o Espírito Santo encontra casa.

  1. A Eucaristia: silêncio oferecido, desejo saciado

A Eucaristia é o lugar onde o silêncio se torna dom e o desejo se transforma em comunhão. Não há outro momento na vida cristã onde o mistério se faça tão próximo, onde o Infinito se ofereça tão humildemente. Um pedaço de pão, um cálice de vinho, uma mesa onde se repete o gesto da entrega. E, no entanto, ali está tudo. A presença real. O amor inteiro. A salvação oferecida.

Maria compreendeu esse mistério antes de todos. No dia da Anunciação, acolheu o Verbo no coração e no corpo. Fez-se morada do Amor. O seu “faça-se” foi o primeiro ato eucarístico da história: total, silencioso, fecundo. Ela não viu ainda o rosto de Jesus, mas já O trazia consigo. Não compreendia todas as implicações, mas já O servia. Não conhecia a cruz, mas já vivia a lógica da oferta.

Quando hoje nos aproximamos do altar, trazemos connosco o desejo de Deus. Vimos sedentos. Vimos frágeis. Vimos incompletos. E, diante de nós, Deus desce até ao nível da nossa fome. Não fala muito — oferece-se. Não se impõe, entrega-se. E, como Maria, somos chamados a acolhê-l’O em silêncio. A recebê-l’O com humildade. A deixar que o seu Corpo alimente o nosso desejo.

No Carmelo, a Eucaristia é o centro. Não porque esteja rodeada de solenidades externas, mas porque é ali que tudo começa e tudo regressa. A vida carmelita é eucarística: feita de silêncio, de desejo, de entrega. Cada comunhão é um novo consentimento. Cada celebração é uma nova visitação. O coração, se está vigilante, torna-se casa. E Maria está sempre ali — discretamente, como em Caná, como no Cenáculo — a ensinar-nos a reconhecer a presença, a acolher o dom, a deixar-nos transformar.

A Eucaristia não termina na missa. Prolonga-se no estilo de vida. No silêncio que guardamos depois da comunhão. No desejo que se acende para viver o que se recebeu. E na missão de sermos, também nós, pão partido para os outros.

  1. Tornar-se morada do silêncio e do fogo

Chegámos ao fim da novena. Mas o fim é apenas uma dobra no caminho, um limiar para continuar. Durante nove dias, com Maria, subimos o monte do Carmelo. A cada etapa, fomos sendo chamados à escuta, à fé, à esperança, à beleza, à compaixão, à interioridade. E agora, neste cimo silencioso, o que resta é o essencial: o silêncio que acolhe e o desejo que arde.

Maria, Senhora do silêncio e chama do desejo, ensina-nos que o que transforma o mundo não é o que se impõe, mas o que permanece. Não é o que brilha, mas o que arde. Não é o que grita, mas o que escuta. E que a alma verdadeiramente fecunda é aquela que, como ela, se torna espaço onde Deus pode entrar.

Neste último dia, somos convidados a fazer uma escolha: tornar-nos também nós moradas do silêncio habitado. Ser terra acolhedora da Palavra. Ser cestos de papiro lançados nas águas da confiança. Ser discípulos que guardam tudo no coração — mesmo o que ainda não se compreende.

A vocação, qualquer que seja, nasce aí. No fundo da alma. Onde o desejo se acende. Onde o silêncio se torna escuta. Onde Maria espera, com a mão estendida e o coração desperto.

Rezemos então, com humildade e verdade:

Maria,

Senhora do silêncio fecundo,

guarda do desejo que arde,

ensina-nos a escutar como tu escutaste,

a confiar como tu confiaste,

a guardar como tu guardaste.

 

Faz do nosso coração um altar discreto,

uma cela interior,

uma morada para o Espírito.

 

E se em nós houver um desejo escondido,

um chamamento ainda sem nome,

uma brasa que não se apagou…

Sopra sobre ela, Maria.

 

E faz dela fogo.

 Amém.

Fr. João Carlos da Santíssima Trindade, OCD

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