Escrevo às portas da minha profissão solene na Ordem dos Irmãos Descalços da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo. Nesta manhã fria de janeiro, quero olhar para os já mais de 8 anos de história acompanhada que mudaram a minha vida.

Apresento-me. Chamo-me André, tenho 31 anos e sou de Lisboa. Tive a sorte de nascer numa família muito boa – que muito me ama e a quem muito amo –, de ter tido uma vida feliz e sem grandes sobressaltos. Tive um percurso de vida mais ou menos “normal”, chegando mesmo a concluir, em 2014, o curso de Engenharia Civil.

Com pena o digo: enquanto crescia, Deus não era uma presença habitual em minha casa. Ainda que tenha sido batizado logo em criança, a prática da fé da minha família era muito reduzida. Exceção apenas para o Natal e a Páscoa, em particular quando as festas eram passadas em casa dos meus avós paternos. Mas, numa Quaresma, tinha 15 a 16 anos, Deus irrompeu na minha vida. Recordo-me de estar a estudar a fotossíntese das plantas e, perante a absoluta maravilha do mundo natural, lembro-me de ter pensado para comigo: “Deve haver aqui mais qualquer coisa”. Sem saber muito bem como, fui à livreira dos meus pais, peguei na Bíblia e comecei a ler o Evangelho de S. Mateus. Depois de Mateus li Marcos, depois de Marcos li Lucas. E quando terminei a leitura de S. Lucas, que coincidiu com o final da Quaresma, Deus havia-se metido definitiva e totalmente na minha vida. E bendito seja Ele por isso!

Com o tempo fui crescendo em intimidade com Deus, por meio de Maria. Foi Ela quem me pegou pela mão e quem me fez conhecer e amar a Deus. E fê-lo por meio do terço, a oração que, durante tantos anos, foi a única que rezei. A crescente intimidade com Deus fez-me questionar se Ele não pedia mais de mim. Fui sendo ajudado pelo meu pároco a discernir a Sua vontade para mim, parecendo-me(nos), que o Senhor me pedia uma entrega maior por meio do sacerdócio. O que não era algo que me agradasse particularmente. Nem a mim nem aos meus…

No final do ano de 2014, o Senhor resolveu fazer-me compreender onde me sonhou. Nessa altura, recebi uma proposta para participar num encontro vocacional chamado Rumos, que iria ter lugar logo no primeiro fim-de-semana de janeiro. Iria acontecer em Fátima e era orientado pelos Carmelitas Descalços, com a presença de uma irmã de clausura, um sacerdote e um casal de seculares. Mesmo desconhecendo em absoluto quem eram os Carmelitas, resolvi dizer que sim à proposta – algo bastante incomum em mim.

Não tenho palavras para caracterizar a minha experiência no Rumos. Aí descobri uma realidade e uma profundidade da vida cristã que, até então, desconhecia. Mas houve dois aspetos que me encantaram totalmente: a oração e a comunhão. A oração silenciosa, vista à luz de Santa Teresa de Jesus, e a profunda unidade com a vida, com a vida real e concreta que ela requer, mudou-me totalmente. E também a comunhão que vi e experimentei nesses dias entre os três ramos da Ordem me impactou de sobremaneira: uma comunhão verdadeira, respeitadora das diferenças e especificidades mas, que na diversidade, se sustenta e complementa. Estes dois aspetos fizeram a minha vida dar uma volta de 180º.

O acompanhamento com um sacerdote carmelita, o diálogo com uma irmã de clausura e a amizade quer com frades e quer com seculares carmelitas, foram ajudando-me a compreender a inusitada proposta de Deus para mim: ser religioso. Ainda que tivesse o firme desejo de fazer a Sua vontade, e de a buscar sinceramente, não é menos verdade que tinha preferido que a vontade de Deus fosse igual à minha. Como provenho de uma família não-praticante, já era mau o suficiente querer ser padre; pior era ser religioso – fosse isso o que fosse – e ainda para mais, ser religioso na outra ponta do país. Eu estava perfeitamente feliz com o meu curso superior, tinha proposta de trabalho e, aparentemente, a vida bem encaminhada. Mas o que experimentei foi de tal ordem forte, de tal ordem intenso que não pude dizer que não. Cheio de medo, e a tremer de veras, confiei n’Aquele que descobri sempre me ter sustentado, n’Aquele que descobri sempre me ter protegido e amado. E por fim, disse-Lhe que sim.

Nesse mesmo ano de 2015, ingressei na Ordem dos Carmelitas Descalços. Depois de dois anos de Postulantado no Porto, fui admitido ao Noviciado, em Fátima, que terminou em 2018. Frequentei o curso de Teologia no polo do Porto da Universidade Católica Portuguesa, que conclui em 2022. E desde fevereiro de 2022 que sou conventual da comunidade carmelita em Avessadas.

Hoje, ao olhar para os oito anos desta viagem, só posso dar graças a Deus por todos aqueles que Ele colocou no meu caminho. Os meus párocos, que me ajudaram no processo inicial e se fizeram sempre presentes ao longo do caminho; os meus formadores e acompanhantes espirituais que, como pais extremosos, se esforçaram por me ajudar a crescer e a conformar com Cristo; os meus irmãos de hábito pela amizade e exemplo; por tantos amigos e pelo muito que por mim fizeram sem que eu disso esteja plenamente consciente; por todo o povo santo de Deus, que me sustentou e sustenta com a sua oração. E por último, só posso dar graças a Deus pela minha família porque, mesmo não concordando inteiramente com a minha decisão, mesmo sendo para eles muito difícil, nos momentos chaves estiveram e, creio, estarão sempre.

No Carmelo descobri o meu lar. Descobri o lugar onde Deus me sonhou e onde, espero, serei plenamente feliz. Aqui descobri a oração como uma necessidade, descobri Cristo como uma companhia certa e segura e descobri a presença materna de Maria que me encaminha para Ele. Por isso, às portas da profissão solene, o meu sentimento é de tremenda gratidão ao Senhor por tudo quanto fez por mim e um desejo firme de O amar e de perseverar na fidelidade ao Seu amor e à Sua Igreja.

Nesta hora, permito-me, também, olhar para o amanhã. E faço-o olhando para o meu nome: André de Santa Maria. André foi o nome que os meus pais me deram no batismo. Para perceber a que estou chamado, olho para outro André, o Apóstolo, irmão de Pedro. O Evangelista João coloca André em destaque por duas vezes. E nessas vezes, André o que faz é levar alguém a Jesus: seja o seu irmão Pedro ou os gregos que O queriam ver. Creio que a isto estou chamado: pela minha vida, pelo meu ministério, estou chamado a dizer a todos «encontrámos o Messias» (Jo 1,41) e a ser um meio, ainda que pobre e frágil, pelo qual – espero – muitos se possam encontrar com Jesus.

De Santa Maria foi o nome religioso que me impus. Não o faço de forma negativa – como uma morte a qualquer coisa ou uma valoração negativa de quem fui e sou. Para mim, de Santa Maria é algo positivo, é um programa de vida. Só posso ser André, só posso dizer que encontrei o Messias e levar alguém a Ele se primeiro me encontrar com Ele, se O amar e servir. E ninguém fez isso melhor que Maria. Por isso, só posso pedir que Maria, a Transparência de Deus, me pegue pela mão, transforme o meu coração e faça também de mim, para os irmãos a quem Deus me enviar, transparência do nosso Deus que ama todos e sempre.

Confio-me à oração de todos quantos lerem estas linhas. Peço-vos que peçam para mim o dom da perseverança e da fidelidade. E que, e à semelhança da Virgem Santa Maria, a minha vida possa ser pautada pela disponibilidade e entrega total ao meu Senhor, que me amou e se entregou por mim e que eu diga cada dia como Maria: eis aqui o escravo do Senhor, faça-se em mim, hoje e sempre, segundo a Vossa vontade. Amen.

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